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domingo, 18 de setembro de 2011

QUANDO ESCONDEMOS O PASSADO



CAPÍTULO III

QUANDO ESCONDEMOS O PASSADO

                  Esconder o passado exige um fôlego de gato e muita persistência. A pessoa tem que ficar o tempo todo atenta, manipulando informações a seu favor e vive com medo de ser descoberta. Prender-se a velhos problemas e situações é um exercício exaustivo, irritante e profundamente solitário. É preciso encontrar um meio de livrar-se da mentira para não ter de carregar esse peso a vida toda.
                 Muitas pessoas vivem algum tipo de drama familiar e sempre ficaram caladas porque lhes ensinaram que era feio e muito constrangedor para ser revelado.
                 Existem exércitos de pessoas que escondem o passado porque foi realmente traumático. São muito comuns os casos que envolvem o alcoolismo, doença mental e até algum tipo de perversão sexual na família. São incontáveis os casos onde os hoje adultos consideram "vergonhosas" certas particularidades que, durante a infância, as faziam se sentir diferentes das outras criaturas. Isto pode ser tanto em relação ao desenvolvimento sexual como a vida comum do dia a dia familiar. Coisas como pais analfabetos ou hábitos excêntricos como, por exemplo:        frequentar uma seita ou religião considerada estranha pelos vizinhos e amigos.                       Praticamente todos nós, se procurarmos bem, somos capazes de "desenterrar" algum episódio de nossa história pessoal ou familiar que provoca arrepios só de pensar. Quando as lembramos são humilhantes demais ou se chocam com a nossa imagem de adulto. É como se o eterno sentimento de vergonha nos perseguisse. Os sucessos e alegrias da vida se tornam insignificantes diante da constante ameaça de humilhação.
                  Em nossos dias, os paparazzis vivem da busca de segredos das celebridades para expô-las ao ridículo. As revistas e jornais de fofocas tem permanente sucesso porque precisamos nos comparar a alguém importante para sofrer menos com os nossos segredos inconfessáveis.
                   Entre as celebridades que escondem segredos familiares, o mais surpreendente que conheço foi o da atriz Merle Oberon que em 1940 atuou no filme "Morro dos Ventos Uivantes". Na época, Hollywood era extremamente conservadora e a atriz, por medo, passou a vida toda escondendo a origem de sua beleza exótica e sensual. Ela mentiu dizendo que era de uma família originária da Tasmânia e que fora educada nos melhores colégios da Europa. A verdade só apareceu em 1979, depois de sua morte: ela tinha nascido em Bombaim, na Índia, filha de mãe muito pobre e mestiça. Este fato e a permanente luta para esconder a mãe fizeram-na sofrer muito. Inúmeras vezes a atriz fez a mãe se passar por sua empregada doméstica.
                No best seller "Mommie Dearest" (Mãezinha querida), a escritora Christina Crawford, filha da atriz Joan Cawford, desmistificou a imagem da mãe feliz e dedicada de Joan. Ela disse: "Tínhamos tudo: dinheiro, presentes, uma mãe bonita, famosa e estrela de cinema" e continua contando sobre a realidade da mãe alcoólatra, cruel e sádica em relação aos filhos. Mas esta verdade só foi trazida à tona pela filha depois da morte da atriz.
                Segredos familiares não são exclusividade dos ricos e famosos. Para preservar uma imagem profissional, muitas vezes duramente conquistada, qualquer pessoa ao seu lado pode estar escondendo fatos do passado que, no seu julgamento, podem comprometer sua carreia e imagem.
                As experiências passadas podem gerar um sentimento de vergonha e de falta de autoestima. As pessoas crescem estabelecendo padrões para si mesmas e se sentem rejeitadas quando não se encaixam neles. Mesmo que sejam bem sucedidas e aceitas, vivem sobressaltadas com o medo de serem descobertas e rejeitadas pelo grupo social onde vivem. Muitas vezes o enredo criado acaba levando a um isolamento tão doloroso ou até mais do que a própria rejeição. Apesar da segurança ilusória que esta tática proporciona, recriar uma biografia é muito arriscado e doloroso. Quem vive assim está em permanente medo só de pensar que, a qualquer momento e de forma humilhante, seus segredos sejam desmascarados.
               Para livrar-se desta permanente angústia é preciso coragem, abrir o jogo e contar tudo. O resultado pode ser imprevisível, mas é melhor do que passar a vida toda sofrendo. Entretanto não se pode sair por aí contando o passado a todos que encontra. Ao longo da vida aprendemos conhecer as pessoas que nos são sinceras e amigas de verdade. Elas podem ser o porto seguro que precisamos para desabafar.
                Chega um momento na vida que precisamos enfrentar as nossas emoções que estamos acostumados a negar. Na verdade, temos vergonha de admitir a nossa própria vergonha. Mas, sem reconhecer o quanto nos sentimos humilhados por dramas amorosos, profissionais ou familiares, jamais conseguiremos nos livrar deles. A vergonha faz parte do nosso repertório de emoções e é tão legítima quanto a raiva ou alegria. 
               O peso fica mais leve quando compartilhamos nossos segredos com alguém. Este é um dos passos mais importantes para sua liberação. O simples fato de falar já é uma forma de desmistificar um segredo mantido a sete chaves. Se você tem um amigo verdadeiro ele vai ouvir suas revelações com simpatia e até admiração pela sua coragem. Mas é preciso saber escolher bem seu confidente. Procure alguém que possa ouvir com interesse em lhe dar apoio. Todos temos alguém em quem podemos confiar. Acredite, mesmo no mundo de hoje, existem pessoas boas e sinceras.
                Uma outra forma de se autoajudar pode ser fazendo uma terapia em grupo. Além de ajudar resolver seus conflitos, vai conhecer pessoas que passam pelas mesmas experiências - ou até piores que a sua. Descobrirá que seu caso não é tão terrível e que não está tão mal quanto pensava.
                 A vida pode ser bela, mas também pode ser um tormento. Não se pode ser feliz transformando-a numa grande mentira. Quanto antes encontramos o verdadeiro eu que temos dentro de nós, mais cedo seremos felizes.
Nicéas Romeo Zanchett 
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